Por Mariana Nascimento
Conhecida pelo sucesso de vendas, tanto de livros como de ingressos para a adaptação cinematográfica, a série “Harry Potter” (J. K. Rowling, Ed. Rocco) tem seu valor literário muitas vezes questionado. Porém, se olharmos os sete livros que a compõem de forma mais despida de preconceitos, encontraremos um valor que não deve ser classificado apenas como entretenimento.
O enredo de “Harry Potter” consiste basicamente nas aventuras de um garoto que de repente descobre que é bruxo e ingressa numa escola de magia, onde desenvolverá suas habilidades mágicas e tomará parte na luta contra bruxos das trevas. Entretanto, tais fatores são apenas a superfície da trama, na qual exercem importância temas e recursos narrativos que tornam evidente a relação da série com a realidade e com as culturas clássica e atual, numa escrita dinâmica e bem humorada.
Em primeiro lugar, quanto à temática, há a questão da auto-descoberta, do desenvolvimento e amadurecimento do sujeito. O personagem principal, Harry, não é o herói perfeito, havendo até mesmo um paralelo entre sua identidade e a do grande vilão, Voldemort. Antes de descobrir que é bruxo, levava uma vida propositalmente limitada pelos tios, que o acolheram depois da morte de seus pais: nenhum afeto era dirigido a Harry e o lugar reservado para ele dormir era o armário debaixo da escada, embora houvesse na casa um quarto ocupado apenas por brinquedos do seu primo mimado.
Ao ingressar na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Harry descobre um mundo completamente novo, onde pode fazer amizades, desenvolver suas habilidades, conhecer suas origens e interagir com um meio social diversificado.
Essa nova realidade de Harry pouco se diferencia da realidade dos leitores e, quando o faz, através da inclusão de elementos mágicos, o resultado é o enriquecimento da obra. O elemento maravilhoso é capaz de transformar algo comum ou em objeto paródico ou em expressão de nossos desejos. Disso podem ser exemplo os retratados em pinturas que conversam com as pessoas ou a sala que muda seu interior de acordo com a necessidade de alguém: quem não se interessaria em visitar um lugar como este?
Enquanto simples estudantes, Harry e seus amigos têm de lidar com fatores corriqueiros como a inimizade dos colegas, a obrigação de estudar e fazer montes de lições para ganhar boas notas, as aulas desinteressantes, a antipatia por/de algum professor, a dificuldade em determinadas matérias… Enfim. A diferença é que o tamanho das redações é medido em rolos de pergaminho; as aulas requerem o uso de caldeirões, varinha mágica e contato com seres como hipogrifos, unicórnios, bicho-papão e plantas que gritam; e os professores e colegas menos amigáveis podem expressar seus sentimentos com feitiços que transformam uma pessoa em uma fuinha, por exemplo.
Como seres subjetivos, os personagens se deparam com toda a gama de sentimentos e impressões possível. Rony, o melhor amigo de Harry, sente-se inferior devido aos problemas financeiros da família; Luna, outra amiga de Harry, é excluída por ser diferente; Neville sofre a pressão da avó, que espera que ele seja um bruxo tão bom quanto seus pais foram; e Harry depara-se com a perda e a morte, com a inconfiabilidade das pessoas, a dúvida sobre si mesmo, a desmoralização pública, entre outros.
Já no que diz respeito à representação da sociedade, “Harry Potter” não ignora questões como os interesses políticos e comerciais. Nesse sentido, há o ministro que opta por ignorar acontecimentos que o prejudiquem e uma jornalista sensacionalista a qual distorce o dito por seus entrevistados. Além disso, o grande vilão, Voldemort, põe em cena a busca pelo poder impulsionada pelo ódio e por conceitos racistas, mostrando como um motivo pessoal se transforma em ideologia e pode gerar um desastre social.
Voldemort também exemplifica a relativização das origens do mal, que podem ser tanto as vivências dolorosas quanto as predisposições do caráter. Trata-se de um personagem que teve uma infância tão difícil quanto a de Harry, mas que, ao contrário deste, é capaz de manipular, torturar e matar sem hesitação.
A diversidade temática de “Harry Potter” inclui ainda a atualização de seres mitológicos e folclóricos, tais como o cachorro de três cabeças, o dragão, a fênix, os gnomos e outros tantos.
Quanto à linguagem, são vários os recursos utilizados: explora-se a capacidade do gênero romance de incorporar outros gêneros textuais através das cartas escritas e recebidas por Harry, dos versos cantados pelo Chapéu Seletor e das notícias lidas no Profeta Diário; mostra-se a linguagem como caracterizadora do sujeito, seja através da reprodução do sotaque francês de uma personagem ou através da diferente sintaxe dos elfos domésticos; e brinca-se com as palavras através de nomes de personagens, de invenções mágicas ou de feitiços e encantamentos (como exemplos, há o Espelho de Ojesed e o professor lobisomem Remo Lupin).
Todos esses fatores, apenas enumerados aqui, constituem vasto objeto de estudo, sendo passíveis de um aprofundamento interpretativo que, no entanto, foge às intenções deste texto. Há ainda outras questões, como demonstram as polêmicas sobre os elementos capitalistas ou sobre o caráter pagão ou cristão presentes na obra. Sem dúvida, a reflexão mais detida sobre cada um dos fatores apontados ampliaria o alcance da série, revelando o retrato que faz do mundo atual e as estratégias lingüísticas e textuais que tornam o texto atrativo a tantas pessoas.
Essa visão geral, portanto, já nos permite afirmar que “Harry Potter” é produto de um trabalho literário o qual considera aspectos de toda a cultura e sociedade ocidentais, e que é um equívoco, portanto, classificá-lo apenas como sucesso mercadológico vazio de significado.
Adoro o Universo do HP e me sinto super feliz de ter oportunidade de viver no período em que o HP foi escrito e acompanhar tudo o que pude em relação ao assunto. A JK´foi muito feliz em ter lançado estes livrs, e torço para que ela resolva criar outra série com ou sem o mesmo tema. Post bem bacana, adorei! bj
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