quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Organização de um Romance



QUALIDADES FUNDAMENTAIS

O romance é uma mistura, um condensado de ficção e realidade. Estes dois critérios devem modelar-se e articular-se de maneira equilibrada. A coesão, a força do romance, provém tanto das qualidades de imaginação quanto da análise dos fatos reais do autor.

Imaginação é a capacidade de criar, de fundir, de construir uma realidade fictícia, fora da realidade cotidiana. Um mundo único. Escrever é dar nascimento a um ser interior, particular, que a gente porta (à nossa revelia às vezes). Para tanto, deve-se escolher uma ou mais existências que sejam modelos (ou o contrário se trabalhar com personagem anti-herói). É preciso dar originalidade, personalidade, características aos personagens. Deve-se modelar, “fazer sua própria criatura” segundo seus gostos. O autor é “O Criador”. Escolher um contexto espaço-temporal que vá contribuir para a criação de um mundo particular, individual, para o qual seja transportado o leitor, fazendo-o viajar.

Análise, pressupõe autoanálise, na qual se deve interrogar-se sobre seus próprios sentimentos, sua maneira de viver, de sentir as coisas. É necessário analisar sua relação pessoal com o mundo e com os outros (no passado, no presente e no futuro). Qual é a evolução individual dos personagens no que se refere a sexo, idade, sociedade, lugares onde vive, etc.

Análise objetiva da existência: viver, amar, sofrer, morrer. Interrogar-se sobre o sentido da existência humana (fora de todo contexto de sexo ou idade).

Analise dos fatos históricos, sociais, etc., segundo a época e o lugar escolhido: é indispensável respeitar um mínimo de autenticidade (não hesitar na utilização de documentos caso necessário, os quais podem ser encontrados numa biblioteca ou em revistas especializadas).


O ROMANCE PROPRIAMENTE DITO

Tendo sido compreendido, então, o romance, seu romance, é único. Ele constitui um mundo que o autor escolheu, eleito, para levar o leitor até ele, ao sabor dos desejos do autor, de seus desgostos e de suas revoltas.

A principal preocupação de todo escritor é de tentar estar dentro de seus leitores, de conseguir penetrar neles, na sua intimidade, na sua existência, nos seus sonhos. É importante criar um lugar dentro dos leitores e, talvez, de se lhes tornar um recurso, um socorro, uma presença constante.

Assim, o romance deve sempre oscilar entre a ficção e a realidade. Deve não apenas fazer o leitor sonhar, mas também fazê-lo refletir. Ficção-realidade, mas fazendo sonhar, “criar um mundo fora deste mundo” (Baudelaire). Deve-se prender a atenção do leitor através de elementos verdadeiros e autênticos, não deixando-o perder-se dentro de um labirinto louco.

OS MEIOS

Deve-se escolher traços fora do comum com originalidade. É preciso desenvolver a personalidade do personagem ao máximo. Preocupar-se com realismo, para o qual se deve pesquisar detalhes e fatos de acordo com a época e o lugar escolhido.

PERSONAGENS

O herói ou anti-herói deve apresentar originalidade: Ele deve ser um modelo, suscitar a admiração ou o desgosto, o amor ou o ódio. É preciso provocar uma reação forte no íntimo do leitor face ao herói. O personagem deve ter certa proximidade com o leitor. Para que o leitor se identifique com o personagem, deve haver características comuns e gerais, próprias de todo ser humano (amor, sensibilidade, etc.).

OS PONTOS ESTRATÉGICOS

O INÍCIO

São frequentemente as primeiras linhas da obra que vão determinar ao leitor a continuidade ou não de sua leitura e, em definitivo, a compra ou não o romance. Assim, sua reação deve ser imediata, profunda e sincera. Ele deve ser diretamente impulsionado, mergulhado dentro do mundo criado pelo autor, descobrindo algo de novo, inédito e intenso que lhe dê vontade de saber o que vai ainda acontecer.

Deve-se criar repentinamente uma situação precisa (tempo, espaço), pondo em cena um ou mais personagens motivadores, intrigantes, os quais façam amar ou odiar (ou, ainda, que sejam violentos, desprezados...). Situar o problema que está em jogo: Por quê? Quem? Como? Onde? Criar um nó, um paradoxo, alguma coisa que provoque o espanto ou a surpresa, e até a perplexidade do leitor. Em conclusão, as primeiras páginas são um ataque direto, um soco (para não dizer uma porrada) no sistema estável, na ordem instituída das coisas. Deve-se, no início, escrever, digitar, “fortemente”, para ser temido, ser respeitado, ser lido...

O DESENVOVIMENTO (A INTRIGA)

Escrever é, primeiramente, seduzir. Fazer-se desejar, esperar e, enfim, ser amado (ou odiado) pelo leitor, são os objetivos do escritor. Se o início do romance deve tocar por sua força, suas imagens (etc.), a sequência deve ligar-se ao leitor, fazê-lo prisoneiro. Ao criar uma intriga, deve-se fazer o leitor viajar por uma região desconhecida, perigosa, desestabilizadora, um “no man's land”, reservando efeitos surpresas, choques inesperados (situações concretas ou psicológicas).

A crise no romance encarna um problema, um dilema, algo insustentável, indizível. Essa crise, é o autor que deve apresentá-la, sustentá-la, dizê-la, comprometendo o leitor, o qual deve ser tocado e, pouco a pouco, ligado ao romance até se tornar prisioneiro dele.

O leitor deve ser adulado, por sentimentos que ele já experimentou, como o amor, a dor, etc., os quais ele reencontra no herói ou noutro personagem. Mas não se deve hesitar tampouco em chocá-lo, em lhe fazer mal, pela invocação de imagens ou fatos, os quais sejam reais ou inventados.

O ESTILO

Sua maneira de escrever contribui igualmente para fazê-lo ser amado ou não pelo leitor. Mas, acima de tudo, deve-se criar uma atmosfera particular, um ambiente, brincando com todos os registros sensitivos e psicológicos.

Sensitivos: Imagens visíveis, luminosas, fortes. Diálogos vivos, quase audíveis. Sensações físicas precisas, de modo que possam ser experimentadas quase que diretamente.

Psicologia: Escolha do ritmo, o qual pode ser lento, extenso, para fazer durar o prazer ou o sofrimento, ou, ainda, um ritmo vivo, rápido, para provocar, fazer o leitor ler até o fim, ter sede, dar-lhe desejo.

O FINAL

No fim do romance pouco importa se tudo termina bem ou mal. O principal é fazer definitivamente o leitor “saltar” de sua poltrona. Deve-se tornar o leitor dependente, isto é, fiel ao autor. Um fim deve ser inesperado, quer seja a felicidade, quer seja o sofrimento. Como o início, o fim deve tocar o leitor, golpeando-o ou, ao contrário, levando-o ao sétimo céu. Em resumo, deve-se fazer o leitor provar do inferno ou do céu criado pelo autor.


Fonte: http://portalliteral.terra.com.br/artigos/romance-estrutura-e-estrategias

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