terça-feira, 9 de março de 2010

Minha mãe me ensinou a amar histórias

Maybel nasceu como terceira filha de um casal aparentemente normal e razoavelmente abastado. Seu pai era administrador de uma empresa textil e sua mãe, professora. A mais velha das irmãs - eram três meninas - chamava-se Susan e era oito anos mais velha que Maybel, a segunda irmã chamava-se Mary, sendo sete anos mais velha que a caçula.

Embora desejada durante a gravidez, Maybel foi a grande decepção dos seus pais – segundo ela – pois eles queriam e sonhavam com um menino, o filho homem que levaria o nome da família adiante. Momentaneamente inconsciente dessa verdade a criança – de acordo com os relatos de sua mãe – foi um bebê calmo e tranqüilo que dificilmente chorava durante a noite, o que era uma sorte, pois seu pai tornava-se extremamente agressivo e até violento se tivesse seu sono noturno interrompido.

Mas tudo na vida é compensado em algum momento e o que Maybel deixou de chorar enquanto bebê, chorou enquanto criança entre 2 e 12 anos de idade. Chorava porque não queria comer, porque as irmãs a provocavam e principalmente quando não conseguia encontrar algo que procurava.... Essa última situação era muito irritante para suas irmãs e sua mãe, mas ninguém a repreendia, quase em sinal de gratidão pela menina não ter despertado a ira do pai quando bebê, sendo calma durante a noite.

E Maybel cresceu feliz. Até os três anos de idade suas remotas lembranças resumem-se ao fato de andar de triciclo, se balançar num balanço na garagem da casa de madeira onde morava e também numa cadeira de balanço com acento de palha na cor amarela.

A primeira perda que lembra ter sofrido foi seu berço. Sua babá que era também empregada doméstica da família tivera uma filha e a mãe de Maybel deu o berço em que a menina dormia para acomodar a criança da empregada.

De acordo com a mãe de Maybel, que se chamava Rosemary, Dóris, a empregada, pretendia abortar a filha, entretanto sua patroa por princípios morais e religiosos, não permitiu que ela fizesse isso, prometendo ajudá-la no que fosse necessário para a criação do bebê.

E assim aconteceu. A mãe de Maybel tornou-se Madrinha da recém nascida que recebeu o nome de Desiclei.

As duas crianças tornaram-se então a alegria da casa e também a preocupação de todos quando tinham febre ou eram atormentadas por uma ou outra leve enfermidade de normalmente acomete as crianças.

Foram criadas como irmãs e assim se relacionavam, ambas chamavam de pai o Sr Sérvulo – pai de Maybel e tudo dividiam, lanche, brinquedos e brincadeiras.

O primeiro contato que Maybel teve com as letras foi por volta dos quatro anos quando entendeu que sua mãe era professora e o que isso significava. D. Rosemary foi durante 25 anos uma das mais competentes alfabetizadoras de sua cidade. Não havia criança que se tornasse sua aluna que não aprendesse a ler e escrever. Até surdos se alfabetizavam com ela. Uma senhora, vizinha da escola onde D. Rosemary trabalhava, que era analfabeta, aprendeu a ler só de ouvir a professora dar aula a seus alunos!

Conseqüentemente, D. Rsemary estimulava muito o gosto pelos livros em suas filhas. Maybel, mesmo sem saber ler, tinha inúmeros livros infantis entre seus brinquedos e vivia imaginando como seriam aquelas histórias olhando suas gravuras.

E muitas vezes, quando alguém lia para ela as palavras escritas nas páginas do livro, depois que tinha olhado as gravuras e ilustrações Meybel ficava um tanto decepcionada com a história, pois sua imaginação infantil a tinha levado para bem mais longe do que a história escrita no livro poderia contar.

Quando tinha cinco anos, Maybel mudou de residência pela primeira vez. Seus pais haviam trocado a casa de madeira onde moravam por uma grande casa de alvenaria com um jardim muito amplo arborizado e bonito que ficava na mesma rua onde moravam.


Apesar de a casa estar localizada ao lado de um rio e aquela parte da rua ser constantemente assolada por enchentes, o pai de Maybel, Sr Sérvulo achou que fez um bom negócio pelo fato da casa e o terreno serem maiores que a propriedade que possuía anteriormente.

Além disso, ele planejava construir um pequeno prédio de apartamentos para ter uma renda extra com aluguéis, coisa que seria fácil conseguir realizar já que ele tinha uma boa economia no banco para tal projeto. E o fato o terreno ser muito bem localizado trazia uma boa perspectiva de sucesso em seus planos. Se houvesse enchentes não haveria problemas pois os paprtamentos seriam construídos no primeiro andar e o térreo serviria como garagem e teria um terraço com um playground

Entretanto, naquele mesmo ano a prefeitura da cidade aprovou uma lei municipal em que proibia a construção de prédios à beira de rios na cidade depois daquela data.

Pelo que Maybel se lembra, foi à partir daí que começaram a surgir os problemas em sua família. Como era pequena demais para entender o que estava acontecendo, e os motivos que provocavam as brigas e discussões entre seus pais, a menina não compreendia certas atitudes violentas que seu o Sr. Sérvulo tinha com sua mãe e de vez em quando até com suas irmãs, especialmente a mais velha.

Gritos, brigas, discussões e surras eram cada vez mais constantes em casa e Maybel passou a desenvolver um medo compulsivo por seu pai, a ponto de se esconder quando percebia que o Sr. Sérvulo vinha em sua direção.

Qualquer lugar servia de esconderijo: Embaixo da mesa da cozinha, o vão embaixo da cama, trás das portas dos quartos, do banheiro, da cozinha, da sala, o que estivesse mais próximo dela quando notava a presença do pai.

Mas como o Sr. Sérvulo trabalhava durante o dia e à noite só era permitido a ela ficar fora da cama até às oito horas, essa situação não era tão freqüente durante a semana. Os finais de semana é que eram um pouco mais tensos.

Alheia aos problemas imobiliários que seus pais enfrentavam causados pela lei surgida inesperadamente e do constante inconveniente de ter a casa invadida por água de enchente com freqüência cada vez maior, Maybel gostava da nova casa, gostava do rio que passava ao lado da propriedade e achava que era um rio mágico, pois todos os dias suas águas tinham uma cor diferente.

Tinha vezes que as águas eram vermelhas cor de sangue, outras vezes ficavam azul celeste, outras verde musgo, outras cor de rosa e havia dias que a águas mudavam de cor duas vezes! Para ela isso era mágico, tanto que nem se importava que o rio cheirasse a ovo cozido! Então todos os dias, quando acordava, Maybell convidava Desiclei para olharem qual cor rio escolhera para suas águas naquela manhã. E até faziam apostas se a cor mudaria ou não durante a tarde!
Nessa época Maybel ansiava pelo momento de ir pra escola. Brincar de escolinha era sua recreação favorita e ela sempre queria ser a professora. Adorava ajudar a mãe a passar lições que ela preparava para seus alunos no mimiógrafo, espécie de impressora a álcool que reproduzia desenhos e textos feitos em uma matriz de carbono.


O cheiro de álcool que ficava nas folhas é um dos odores mais agradáveis que Maybel recorda de sua infância.

Finalmente chegou o momento tão esperado! O primeiro dia de aula. Ela freqüentaria a classe pré-escolar num jardim de infância. Maybel estava empolgada, sentindo-se muito crescida porque estava indo pra escola.

No primeiro dia ficou um pouco confusa com o comportamento de certas crianças, pois essas choravam e esperneavam gritando que queriam seus pais. Maybel não entendia esse procedimento, será que aquelas crianças não sabiam que seus pais viriam buscá-las depois que a “aula” acabasse?

Mas com o passar dos dias a escola perdeu seu encanto, pois a menina não conseguia fazer amizades. Nenhum coleguinha parecia gostar dela e aqueles que partilhavam da sua mesinha de trabalho debochavam de suas pinturas e das cores que escolhia para pintar os desenhos.

Até as “tias” pareciam não gostar muito dela.

Houve inclusive um episódio sangrento que Maybel nunca esqueceu. Um Coleguinha chamado Sérgio, apelidado de Serginho, a provocou com a chata e repetitiva frase: “Maybel não me pega!” enquanto colocava a lancheira na frente do rosto para fazer de conta que estava se escondendo.

A menina ficou tão furiosa com a provocação que não teve dúvidas: Deu um soco na lancheira com todas as forças que tinha, o que resultou num nariz sangrando!

Em outra ocasião ela brincava no gira-gira do parquinho, mas os garotos que também estavam no brinquedo queriam que ela saísse. Como se recusou, eles se puseram a forçar as mãos de Maybel para que soltasse o ferro onde ela se segurava enquanto o brinquedo girava rápido acelerando cada vez mais. O resultado foi que ela caiu e fez uma grande ferida nas costas, pois arrastaram com força no cimento devido à velocidade que o gira-gira estava no momento da queda.

Maybel chegou a comentar com a irmã mais velha que estava enjoada de ir pra escola, mas a irmã a aconselhou a não dizer isso aos pais, pois eles brigariam com ela e não a tirariam da escola.

Nisso ela pegou sarampo e ficou uma semana sem ir pra escola, trancada em seu quarto. Apesar de não poder sair pra brincar com Desiclei, nem permitirem que a menina entrasse no quarto de Maybel, a garota sentiu-se grata por poder ficar em casa sem sofrer as gozações e zombarias dos colegas que de um tempo para cá deram-lhe o apelido de piolhenta por causa de uma inspeção feita pelas “tias em sua cabeça.

Maybel sobreviveu ao pré e no ano seguinte foi mariculada na 1ª. Série. Como as coisas mudaram! Ela estava na classe em que sua mãe dava aula e todas as crianças queriam sua amizade. Ela adorava quando as amiguinhas vinham contar que determinado menino gostava dela e na hora do recreio eles faziam de tudo para passar a mão em seus cabelos. Ela fingia que não gostava, mas na verdade adorava quando os meninos corriam atrás dela para acariciar seus cabelos.

Seu convívio social melhorou na escola, mas em casa as coisas iam mal. Maybel começou a notar que a mãe, todos os dias antes de voltar pra casa, sua mãe levava para a casa dos avós objetos de sua casa. Ela até falou a respeito disso com as irmãs, mas elas não levaram a menina muito a sério. Á partir daí Maybel, todos os dias, quando ia dar um beijo de boa noite em sua mãe pedia para que ela não a abandonasse e que se fosse embora de casa a levasse junto.

E a separação de seus pais aconteceu. D. Rosemary foi embora de casa levando consigo a filha caçula e deixando com o Sr. Sérvulo suas duas filhas mais velhas de 13 e 14 anos.

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